Já não respondo mais por mim
Fiquei no caminho e o que
Aqui chegou é algo outro
De aparência igual
Porém pouco
se assemelha ao original
Entrecortado
Passei trinta anos falando
De boca cheia, dormindo, tossindo
E indo
De um lado ao outro, sem ter alguma certeza
Ando muito (porque é minha natureza)
Todo o resto que faço é falso
Pretensão tola
Uma árvore alta de raiz pequena
Um jogo de cena
É triste ver no que nos tornamos
Depois de
trinta anos
Depois de
trinta co(r)pos
Depois de
trinta horas de sono
Acordar e olhar pela janela:
Tanta ofensa
Tanta pobreza
Tanto carro capotado
Tanta gente
doente
Tanto ódio
Tanto medo
Tanta gente
mijando na rua
Tanta dor de
dente
Tanta fome
Tanta
ausência
Tanta gaiola
Tanta alma
carente
Tanta multa
Tanta
incompreensão
Tanta
mordida de cachorro
Tanta dor de
gente
Tanta coisa
pra pensar
pra fazer
E eu aqui
escrevendo essa porra de poema
E mentindo
pra mim mesmo que ficou parecido com Ferreira Gullar